24 de novembro de 2007

20, terca-feira, diante o Branco: imagens e texto produzidos para a performande da abertura







MALA FLOR SACOLA DE RETALHO
GLAYSON ARCANJO CAMILA MOREIRA CLÁUDIA FRANCA



CA - Pedimos um minuto de silêncio em memória deste branco que foi apagado.


DIÁLOGOS

CF – Apagado? Quando? Foi feito algo aqui antes?

GA – Uai, a gente não ia começar a desenhar amanhã? Alguém veio aqui ontem?

CA – Não gente, nossa ação agora é propor um desenho diferente, não com lápis ou qualquer outro material, mas um desenho de imaginação. Cada um aqui nesta sala pode usar o pedaço que quiser do lugar e lembrar-se ou imaginar uma forma, uma imagem qualquer. Vamos imaginar essa sala escura como fundo para nossas lembranças.

CF - Ah, entendi. O branco será escurecido na cabeça de cada um, mas pra isso, ele deve dar lugar ao escuro, como um outro suporte para as imagens imaginadas.

GA – Ou seja: ele vai e volta, morre e reaparece, como um fantasma...

CF - É verdade, o branco não é eterno, sempre está morrendo. Mas dá um jeito de reaparecer.

CA - Vejam só: começamos com esse branco, e quando terminarmos nossa ocupação aqui na Ido, ela deverá estar branca, novamente. Mas será que é o mesmo branco? O branco também dialoga com a possibilidade de uma memória existente. Alguém, alguma coisa esteve aqui e se foi. Restou a memória, alguns registros ou até mesmo apenas um esvaziamento. Um eterno ir e vir de espaços vazios e cheios, com cores, objetos, pessoas. Será mesmo o branco a cor do nada? Engraçado como o retorno ao branco nos obriga a pensar numa possibilidade de recomeço.

CF - Acredito que o branco, para persistir como branco, deve se transformar, sempre. Não só em outras cores, mas deve possuir outras funções. Há o branco-início, que nunca sabemos quando se dá, como se fosse a origem das coisas.

GA- Acho que é um mito, esse negócio da origem. Por exemplo, qual foi a primeira exposição que houve nessa galeria, hein? Quem se lembra dela?

CA - Eu não me lembro, mas deve haver alguma fotografia que seja o documento deste evento, não?

CF - Mas aí há duas questões: a primeira - será que algum idiota tirou uma foto desta galeria em branco? Vazia? Pra quê? Outra: se há fotos, elas já devem estar tão velhas, que o branco da imagem da parede, daquelas fotos, já deve estar desbotado – portanto, não deve estar branco.

GA - E há um outro branco aí, que é o branco do esquecimento, pois será que alguém aqui se lembra da inauguração dessa galeria?

CF - E se o branco das fotos ficou amarelado, é sinal de que o tempo passou... Ora, o tempo sempre tá passando; então, como conservar aquele branco inicial?

CA - Já ouvi falar que para se conservar uma roupa branca, por exemplo, um vestido de noiva, ele deve ficar envolvido num tecido ou saco plástico azul.

GA - Ou preto. Pelo menos é assim que se conserva o papel fotográfico. Num saco preto, grosso, e ainda dentro de uma caixa. Eu mesmo tenho um rolo de filme fotográfico perdido e velado, que ficou mal guardado. Um dia percebi que estava manchando e clareando com o tempo, porque ficava exposto à luz. Depois disso, passei a guardá-lo dentro dessa caixinha, pra que ele não velasse mais, e assim eu poderia mais tarde fazer minhas próprias manchas nesse rolo de papel.

CF - Nossa, é trabalho demais conservar o branco; imagina então conservar essa galeria branquinha. Ó, a gente vai ter que relativizar essa história de branco virginal, puro, senão o branco vai ficar intacto e absoluto, longe de nosso cotidiano, num mundo sem poeira, sem vento, sem chuva, sem respingo, sem furo de parede, sem marca de durex, sem marca de mão suada na parede, principalmente mãozinha de criança perto do interruptor.

CA - Pois é, vamos desistir desse branco e pensar em outras possibilidades pra ele. Há, por exemplo, o branco-silêncio, quando nada se pronuncia. Igual ao silêncio que pedimos para fazer aquela hora.

GA - Há também o branco da borracha, quando queremos esconder ou apagar alguma coisa, não só escrita, mas desenhada, borrada. São os resíduos de nossas ações que resistem em sempre ficar, por mais que tentemos apagar.

CA - E há muitos tipos de borracha. Acho que uma coisa é o branco-silêncio; outra coisa é o branco silenciado, apagado.

GA - Como se fosse um rastro que devesse ser apagado.

CA - Acho que é o branco do final de nossa experiência aqui na Ido.

CF - É, seria o branco silenciado, que por sinal, pode ser comparado ao fechamento dessa galeria, há um tempo atrás. Inclusive, nossa proposta de ocupação da Ido só tá rolando agora porque ela ficou silenciada por um tempão.

CA - Nossa, imagino que quando eles reabriram esta galeria, esse branco silenciado estava misturado com um branco lavado, repintado, branco rebranqueado. A gente pode perceber que se colocou um branco sobre outros brancos.

GA – É porque há um tanto de coisas sobrepostas e não são necessariamente brancas. É como as nuvens no céu, uma passando por sobre as outras, se misturam até e se perderem, como camadas sobrepostas que vão se formando e transformando. O negocio é saber quantas camadas estão presentes aqui nestas paredes?

CF – Fiquei pensando aqui com os meus botões, o branco é engraçado porque pode ser potência e impotência, ao mesmo tempo, né? Ele pode ser o começo de uma história, assim como pode ser também a interrupção dessa história, seja pelo esquecimento, pelo apagamento, pelo esvaziamento, pelo amarelamento, pelo silenciamento, pelo preenchimento, por um ato brusco que se dê, a qualquer momento...

CA – Que nada, a gente tá preocupado com essas possibilidades de branco, mas eles vêm e usam um branco só: o branco Omo. Vocês se lembram do novo slogan do Omo: “Porque se sujar faz bem?”.

CF – Não gente, a prefeitura não pode ouvir isso aqui não, talvez seja melhor o slogan antigo: “Sujou, lavou”.

GA - Mas voltando um pouco ao assunto, esse branco rebranqueado, ao invés de ser pensado como tentativa de retorno de uma situação inicial poderia ser visto em sua condição coisa rasurada. Um apagamento anunciado que não mais nos passa despercebido. É como se arrancássemos o branco de sua naturalidade, e encontrássemos outras coisas surgidas nos seus entre brancos.

CF - Esse branco é foda, porque ele me faz ter saudade. Pra mim, ele é um dos piores brancos, porque é irreversível. Não dá pra fazer a mesma coisa depois que se rasurou um desenho ou uma carta. E rasurar um documento? Isto atesta que você errou, preencheu a coisa do jeito errado. Nem vale mais - aquela marca do errorex no papel dá um volume feio, o branco ali é horroroso, precisa de fazer um xerox para se tirar a textura do branco rasurado.

CA - Pra mim, o pior branco é o da solidão. É um misto de branco-esquecimento com branco-negligência. Vejam só: aqui, com esse branco impuro querendo se fazer de puro, a gente pelo menos percebe que alguém se preocupou em deixar tudo limpo, branquinho. Agora, um lugar deixado de lado, esquecido, se torna um branco amarelado, empoeirado, parece que ninguém vai lá há anos. Isso sim, me dá tristeza, porque se juntam dois brancos: o branco-esquecimento da cabeça de quem se esqueceu daquele lugar, e o branco-esquecimento estampado no próprio lugar.

CF - Eu me lembrei agora de uma fala do Mário Quintana, acho que é assim: - “Antes de começar a escrever, eu olho para a página em branco. Puro susto e terror”.

GA - Interessante isso, porque tanto ele quanto a página poderiam estar assustados. Ele, por ter de botar alguma coisa para fora e ela, branca de susto por temer em perder sua condição inicial de branco.

CA - É, talvez a página seja como essas paredes, brancas de susto por nossas intervenções. E nós?

GA - Vamos acender a luz para ver.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Claudia,

realmente temos muitos "brancos" e confesso até que nunca havia parado para pensar em todos esses brancos. Talvez seja um branco que deu em minha memoria, sinais já dos meus cabelos brancos, que por mais que os ignoremos,insistem em existir e se multiplicar, cada vez mais... branco.

bjs,

Paulinho

Anônimo disse...

Ausência de produto final?
Ou a ausência é o produto?
Evidência do processo é o que
nos ocupa os 180º de visão.
O produto concluso, poética do
ser inconcluso do qual nos
ensina Paulo Freire.
Processos de criação.
Paulo Ricardo